quinta-feira, janeiro 18, 2007

O PAR PERFEITO


Quem diria que nos encontraríamos depois de tanto tempo! Sim. Afinal são mais de cem anos! Lembra que bem nos víamos naquelas mesas de outrora, junto ao jogo completo? Sobre a bela toalha de linho repousávamos pontualmente às cinco horas daquelas tardes de 1879.
A parte baixa do Palácio Iñiguez, ao lado de outros locais comerciais, foram o cenário da nossa história que até hoje _ já em um novo milênio - , pensei que já estava fechada com chaves e cadeados. Talvez tenha me enganado, como quando os garçons nos trocavam: você com uma xícara; e eu com outro pires. Quem sempre nos tirava de apuros era o desaparecido Germán Erper, famoso pela sua saborosa "meia de seda" que preparava com tanto esmero no Torres. Você lembra?
Todos os domingos, depois da missa de meio-dia no Colégio san Ignacio e dos Padres Franceses, a confeitaria era o destino predileto das crianças que corriam atrás dos deliciosos doces que lá faziam. Porém os mais grandinhos nao ficavam atrás. Saboreavam umas taças do branco, do tinto ou de um delicioso licor.
Nós nos conhecemos na hora do chá. Tudo impecável. Você e eu éramos o par perfeito. Desde então, jamais nos separamos, fosse chá ou café; chocolate quente ou chá com leite meu conteúdo. Mais doce ou com um toque de amargo. Quente ou morno. Não importava. Ali estávamos os dois entre os sonhos generosamente recheados. Ou em companhia dos " alfajores", dos " empolvados" ou dos desaparecidos " bolovones", que tanto alegravam aqueles chás de finos paladares.
Conhecemos famílias de alta estirpe. Os Rivas Vicuña, Chaigneaux Puelma, Caffarena, Saavedra Montt... que nos fizeram dançar em suas mãos. Aos lábios de belas damas também cheguei. Sem falar dos tantos presidentes da República que por aqui passaram e que, por algumas horas, lhe fizemos companhia.
O tempo nao passou em vão. Estou um pouco amarela, meu desenho apagado e você, trincada. Te encontraram no depósito, que antes era um belo salão subterrâneo para as animadas tertúlias. De mão em mão, ao som de Gardel dançamos ao nosso estilo depois que mexiam meu conteúdo com uma colherzinha de prata de lei.
Por muito tempo a festa ofereceu sua vez ao silêncio. Cheguei a pensar que o Torres era uma relíquia condenada ao esquecimento. Hoje, de traje novo, alegra a Alameda e ainda pode-se respirar o respeito ao passado e à história da qual também fomos testemunhas.
Mas não me dê mais ouvidos. Acaba de entrar um grupo animado de amigos. Faltam dez para as cinco e talvez você acabe sabendo - mais por eles que por mim - o que tem acontecido na sua ausência. Ah! Um último detalhe! Não estranhe se adoçarem meu conteúdo com alguns comprimidos branquinhos, com umas gotinhas transparentes ou com um tipo de açucar mais fino. São substitutos dos cubinhos doces de antes, e não engordam.
(colaboração de Maria Jesus Rioseco Brüggemann)

1 Comments:

At 5:41 PM, Anonymous Anônimo said...

Parabenizo o CEB pela iniciativa de colocar no seu blog contribuiçoes de escritores chilenos. Também parabenizo à jornalista Maria Jesus Rioseco pelo belíssimo texto.

 

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